quarta-feira, 26 de maio de 2010

Yann Tiersen - La Corde



[Leia cada uma delas ao som de Yann Tiersen - 'La Corde']

História #1
Lá está ela. Sentada, ao pé da árvore. Com seu livro de capa dura vermelha e páginas amareladas, a menina morde um pedaço da maçã deliciosa e suculenta que libera um suco que ela jamais havia provado. Os ventos sopram a leste. As folhas das árvores fazem barulho e seus olhos curiosos olham para cima. É um grande vendaval que se aproxima... Gotas de chuva precipitam do céu. Ela fecha o livro – cheio de histórias e memórias um dia vividas por alguém – e coloca-o na cesta de sua bicicleta antiga. Em disparate, mas ainda mastigando a deliciosa maçã, ela pode ouvir o galho seco se desprender da árvore – lá em cima – enquanto parte numa jornada longa e regada a pingos d’água; até que uma hora –que nunca saberemos- chegue em casa.

História #2
Coloca a mochila nas costas pra começar o dia. De fones de ouvido a postos ela escuta a mesma melodia ecoar, sem cessar. Põe os pés pra fora de casa e os sons da manhã são muito pequenos pra ocultar a altura dos instrumentos. Os dedos dançam ballet enquanto ela fecha os olhos e sente o vento bater no rosto e se lembra de coisas passadas, e ao despertar dos olhos, a rua parece mais um outro mundo. Todo mundo fica mais cinema. Está tudo lindo e em harmonia.

História #3
Os olhos se fecham enquanto ela medita. A música é o alimento pra sua alma. Todos os problemas ficam minúsculos quando ela se entrega ao deleite dos sons. E assim, vestida em uma roupa leve, a menina, sentada ali, no centro da sala que construiu ao seu jeitinho, cercada de almofadas indianas e segredos do mundo, vê suas mãos caminharem pelo corpo enquanto o incenso verde caminha por seu olfato. Ela vai se entregando, e em instantes, está a postos da melodia. Está entregue toda sentido. Ela é o ar, agora. Fluida e leve.

História #4
Há uma troca de olhares que é pura timidez, mas há de levar a algum lugar. Mas ainda são muito novos e é domingo. Eles estão no parque. Os pais a esperam do outro lado da margem do lago. O sorvete dele é de abacaxi e o dela é de morango. Entre os pingos que caem do sorvete que derrete no calor do verão, os olhares inocentes ainda não sabem o que fazer. A mãe grita, e é hora de voltar. Fica ali a vontade de provar o sorvete de abacaxi. E desvendar os olhos azuis daquele menino que eu não entendi.

História #5
É manhã. E acordo como se fosse a melhor manhã do mundo. É bom observar dormindo, aquele rosto, não posso ver imperfeição. Levanto e nem percebo que de calcinha e blusão talvez o vizinho possa me ver. Mas não importa. Paris tem esse ar que me permite viver a vida sem medo. Volto um pouco pra perto da cama pra ver como ele dorme. É lindo, é belo. Vou pra cozinha que fica logo ali do lado – a kitnet que a gente mora é realmente minúscula, mas ela tem tudo que o amor precisa pra sobreviver- passo um café pro meu homem. Sei que ele acordou. Pulo em cima num carinho carinhoso e sirvo-lhe o café amargoso. Mas logo, logo venho com a xícara de açúcar pra adoçar-lhe a manhã gelada.

História #6
Um banho quente. Numa noite de muitas lembranças. De cabeça baixa, eu deixo que todo vapor entre por minha boca e me faça sentir aquecida, nem que seja por dentro de mim, nem que seja de ar. Cerro meus olhos com força. Toco o chão com força. Meus pés pisam o chão na vontade de confirmar que ele está realmente ali. A água escorre pelos meus cabelos –agora tão pequeninos – e quente, fervente, corre e corta minha espinha até embaixo. Me arrepia. Me faz sentir. Tudo está no vapor. E eu posso sentir algo, agora. O arrepio me resgatou de mim. Um sorriso de canto de boca cala o silêncio de minha face. Está tudo bem agora.

História #7
Há uma senhora de cabelos brancos deitada em uma cama de hospital. Ela está em seu leito de morte. Enquanto vê os dias amanhecerem em tons de cinza pela janela, eis que é avisada pela vida: uma borboleta amarela sorri dançante, flutua leve e calma enquanto adentra a janela dessa senhora sem nenhuma pressa, e ela, que bem sabia o significado da cor, sente-se pronta pra partir.
Lá, 7 andares abaixo, uma menina de cabelos negros, caminha saltitante de mochila nas costas indo para aula. Repara muito no céu e nas nuvens, nas árvores, pássaros e gente na terra, a borboleta amarela que já cumprira sua missão primeira agora pousa no ombro da menina por um instante e vai seguindo-a, por cima das árvores, enquanto ela, sorridente, vai cantarolando alto alguma música alegre até chegar em casa, segura e salva.